Categoria: Internet "Dois em cada dez idosos brasileiros vivem sozinhos, mostra pesquisa"



MARIANA LAJOLO
da Folha de S.Paulo

Aos domingos, a movimentação começa cedo na casa de Odete Russo França, 77. Filhos e netos vão chegando para o almoço. Se tiver jogo do Palmeiras, a festa fica completa. À tarde, aos poucos, as visitas vão embora, o ruído intenso dá lugar ao silêncio, a sala volta a ficar vazia. Exatamente como a matriarca gosta.

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Odete ficou viúva há dez anos e viu o último filho sair de casa há sete. No começo, sentiu falta de alguém com quem ver TV, mas logo descobriu que se sentia muito bem.

Datafolha revela que, como Odete, um quinto dos idosos brasileiros mora sozinho, índice semelhante ao de países como Itália (22%) e Portugal (18%), diz a Eurostat, agência de estatísticas da União Europeia, mas abaixo de EUA (27,5%) e França (29%).

O fenômeno é mundial e vem crescendo graças a uma combinação virtuosa: vive-se mais e em melhores condições de saúde. A prova é que 67% dos que moram sós dizem que realizam todas as tarefas domésticas. Os ajudados somam 30% (14%, por parentes e amigos; 16%, por empregadas).

Mesmo que a falta de ajuda extra resulte menos da preferência pessoal e mais do orçamento apertado, a verdade é que, para parte dos idosos, viver só é sinônimo de autonomia. Tanto que metade dos entrevistados considera sua vida ótima/boa, índice semelhante ao da população.

"Tenho duas ajudantes ótimas, mas preferia a liberdade de morar sozinha", conta Branca Degrazia, 82, viúva de Porto Alegre. "O problema é que os filhos não deixam."

Nem o corpo, que aos poucos vai impondo novos limites: um agravamento na artrose fez Branca passar da condição de fisicamente frágil para fisicamente dependente. "Agora, viver com filho só vou quando estiver mal. Seria um choque de gerações, velha é chata demais", brinca.

Onde viver

Gatilhos para dificultar a convivência em casa alheia realmente não faltam. Pode ser a impossibilidade de se cuidar sozinha, o medo de incomodar ou ser incomodado, o apego a velhos hábitos e realidades. Ou de tudo um pouco, caso de Marion Admoni, 65, que "desabou" ao enfrentar a morte do marido e depois do filho.

Há sete meses, no auge de uma depressão, Marion percebeu que precisava de ajuda especializada e foi morar em uma instituição para terceira idade de São Paulo. Ela diz que já se recuperou, mas, se deixar a instituição, prefere não morar com as filhas. "Elas trabalham muito, têm vida agitada, sem tempo para dedicar a mim. Não consigo acompanhar essa rapidez da vida moderna e já tenho minhas manias", afirma.

Por razões culturais e financeiras, essa é uma opção para poucos. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o país tem cerca de 6.000 delas, onde vivem pouco mais de 100 mil pessoas. "A família deve avaliar bem, com ajuda do médico. É preciso atenção principalmente aos idosos lúcidos, que sofrem mais com a perda da referência do lar", explica Rodolfo Schneider, professor do Instituto de Geriatria da PUC-RS.

Ele lembra que é necessário também dar atenção a quem cuida deles. "Há o que chamamos estresse do cuidador, que pode ser da família ou profissional. Quanto maior a dependência do idoso, maior esse estresse, que pode gerar desgaste na relação."

Vivendo sozinho, em casa de parentes ou em instituições, o importante é evitar o isolamento. "É essencial conviver com a família, na igreja, com grupos de terceira idade etc.", ressalva Schneider. "Isso faz com que se sintam úteis, queridos e gera menor risco de depressão e degeneração cognitiva", completa.

Esta reportagem integra o caderno especial Maioridade, publicado neste domingo pela Folha (íntegra disponívelpara assinantes UOL e do jornal)