Categoria: Internet "MAIS visibilidade, MAIOR intolerância"

A terceira idade cresce, aparece e ganha direitos, mas tem de lidar com um preconceito que ela mesmo compartilha

Marisa Cauduro/Folha Imagem

Maria Lucy Barcellos de Araújo, 78, que reclama do preconceito no transporte coletivo e lamenta a perda de importância dos idosos nas famílias 

DA REPORTAGEM LOCAL

De patrimônio a encargo. Assim pode ser resumida a inversão na imagem social dos mais velhos, que, de sábios e transmissores do conhecimento, o status do passado, passaram a ultrapassados e descartáveis.

Traduzida em números, a mudança vira mal-estar generalizado: 87% dos idosos dizem que a sociedade tem preconceito contra eles, embora só 24% tenham sentido a discriminação na própria pele. 
A origem histórica da transformação está no surgimento da sociedade moderna, que atrelou o valor social do indivíduo à sua capacidade produtiva. Como, em tese, o idoso está fora da cadeia produtiva, é visto como inútil, avalia Delia Gold-farb, professora de psicogerontologia da PUC-SP.
Ao mesmo tempo, o crescimento populacional (que tem sido maior na faixa da terceira idade) aumentou a visibilidade. Antigamente, o "velho" vivia principalmente no âmbito familiar; hoje, ele está em quase todo lugar. "Mais do que preconceito, isso gera intolerância. É o que ocorre quando a lentidão de um idoso em algum lugar público nos incomoda ou atrapalha", diz Naira Dutra Lemos, da Unifesp. 
Os avanços obtidos na inserção social do mais velhos também ajudaram a alimentar certa animosidade. O lugar em que a discriminação se faz mais presente, dizem, é o transporte público, onde têm gratuidade e lugares reservados. "Tem gente que senta no nosso banco e finge que está dormindo", conta o ex-joalheiro Elson Lopes, 71, que desistiu de dirigir e deu o carro que tinha a um filho. "E muitos motoristas tratam os passageiros como carga, dão freadas bruscas", completa. O motorista de ônibus, por sinal, é vilão citado por metade dos discriminados no transporte. 
Entre as agressões morais citadas -que incluem situações reais e sensações difusas (indiferença, descaso, xingamentos)-, uma frase depreciativa é campeã: "Lugar de velho é em casa". 
A maior dificuldade no combate ao preconceito é que ele não se resume aos mais jovens. "O próprio idoso se identifica com uma imagem social negativa de velhice, que ele associa a inutilidade, doença, burrice, ausência de sexualidade. Ele se sente alguém que foi e não é mais", diz Delia Goldfarb. 
O mal-estar pode ser atenuado. Com o tempo, a superexposição que hoje incomoda e exacerba deve fazer com que a presença do idoso na sociedade seja encarada, nos dois lados, com naturalidade. 
(AMARÍLIS LAGE e MARIANA LAJOLO)